CICLO CIRCADIANO
No início era a paisagem. Vistas de montanhas, lagos e vegetação eram encobertas por uma névoa fina, forjada com leveza por meio de manchas de cor de tons pastéis. A convivência entre os elementos pictóricos fluía em cadências harmônicas, sugerindo um quase silêncio. Mas os dias se sucederam e os ventos sopraram em profusão, espantando a serenidade. Então, nesta nova série de pinturas de Felipe Góes a matéria se adensou, as pinceladas se ouriçaram, as cores vibraram em confrontos violentos: as águas se incendiaram em variantes de magenta, laranja e vermelho; os verdes estridentes tomaram o horizonte, anunciando auroras misteriosas; a lava dos vulcões em erupção contaminou os céus a ponto de transformá-los em reflexos da terra, e não o inverso. O cosmos parece aspirar a força da gravidade, encrespando a natureza ou o que dela resta.
O ciclo diário que rege a vida – do pintor, do dia a dia de cada um de nós, da natureza que nos cerca, do planeta que habitamos, dos corpos celestiais acomodados em galáxias – tem ritmo próprio, independente de desejos e determinações. Diante dessa recorrência inefável, a ilusão da imutabilidade se impõe. Contudo, nestas pinturas, o ritmo circadiano transmuta o incontestável e lança um novo enigma: no início era o movimento.
Texto de Regina Teixeira de Barros
Fevereiro de 2022
Exposição individual Ciclo circadiano na Galeria Kogan Amaro, São Paulo, Brasil.